segunda-feira, 8 de agosto de 2016

MANEJO DO CIÚME: INVEJA E GRATIDÃO

O ciúme é um importante sentimento para o indivíduo em sua tenra infância, e tem uma atribuição respeitável para psicanálise, nos primórdios do desenvolvimento do sujeito. O que nos revela que sua configuração e efeitos no sujeito dependem da estrutura que o sustenta. O ciúme tem a característica de ser um estado emocional por despertar a percepção de uma possível ameaça a um vínculo ou posição de valor, que produz comportamento que se dispõe a liquidar com essa ameaça.
A partir desta perspectiva, percebemos que dentre as emoções humanas, o ciúme é um sentimento comum e deveras importante no desenvolvimento do indivíduo e entre os tipos de ciúme, o patológico é um sentimento que tem despertado uma visibilidade de grande proporção e que mereça uma maior atenção em seu manejo na contemporaneidade.
A motivação que gera o comportamento ciumento nasce das relações de junções tríade:  pensamentos, emoções e ações, movido por um objeto ameaçador ou a particularidade do vínculo com esse objeto desejado e invejado. O indivíduo enciumado age no intuito de preservar a si mesmo, a partir da castração do objeto desejado e invejado em que está veiculado. Pode-se dizer que o sujeito-ciumento-invejoso não podendo se tornar o objeto desejado, tende a destruí-lo parcialmente, para que esse objeto-desejado não seja capaz de se sustentar sem sua presença. 
Como podemos perceber, o ciúme se configura de variadas formas. Por ser uma manifestação afetiva muito comum, traz consigo uma dificuldade na compreensão de sua configuração entre ciúme clássico e patológico.
Para melhor esclarecimento, a diferença entre o ciúme clássico e o patológico é simples. O primeiro se refere a busca do sujeito em preservar os vínculos, já no segundo, se refere a busca do sujeito em satisfazer a si mesmo, na tentativa de aniquilar o desejo do outro: apenas o indivíduo enciumado que pode ser desejado e ter o seu desejo realizado. É desta forma, que cria em sua mente, um enredo para justificar externamente as suas frustrações e preocupações com a possível perda do objeto desejado.
Entende-se o ciúme, no senso comum, como uma disposição de domínio, emaranhado com o outro, no outro. Mas, de acordo com nossas reflexões de ciúme, podemos notar que essa classificação se encaixa melhor na posição de ciúme patológico. Devido a vontade de possuir, a ausência de confiança, identificação com o melancólico. Essas características dificultam a relação conjugal ou relação com outras pessoas da sociedade.
(1927 - 2012)
É interessante citar aqui, o escritor e psicanalista contemporâneo André Green (1927 - 2012), que descreve em 1988 essa figura materna como ausente e propulsora das identificações do sujeito com o melancólico, com a dificuldade de elaboração de frustrações, na problemática em se relacionar com o outro ou de percebê-lo como sujeito subjetivo, imponderado de um outro universo além do sujeito de ciúme patológico.     
O universo do indivíduo ciumento não consegue ser capaz de distinguir imaginação, fantasia e realidade. Tudo se mistura, sem espaço para percepção consciente. No entanto, quando ocorre essa percepção consciente, o ciumento de grau patológico nega e se retraí, na tentativa de buscar formas para se reestruturar internamente. O que o ciumento patológico procura é o controle total dos sentimentos, da atenção e do comportamento do outro.
No ponto de vista de Lacan (1988) o desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto porque o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto (do desejo do homem) é ser reconhecido pelo outro. Se o ciumento patológico não conseguir ser reconhecido por ser o que é, o fará de forma forçada, na tentativa de se impor como sujeito a ser desejado por aquele em que ele projetou seu desejo.
Melanie Klein 
(1882 — 1960)
Para Melanie Klein (1957), define a inveja e a distingue da voracidade e ciúme através da ação dos diversos mecanismos de defesa e das relações de objeto. Na gratidão a autora descreve ser um sentimento impulsionador do desejo de retribuir a satisfação (o seio materno, fonte de prazer) conseguida e leva à separação, permitindo também as sublimações.  
Se entendemos que o ciúmes clássico é uma forma de sentir ameaçado por investidas externas, e que essa ameaça impulsiona o sujeito ciumento a nutrir o vínculo na intenção de preservar. Na inveja excessiva intrínseca no sujeito ciumento patológico, leva, habitualmente, à dissociação das partes consideradas más, com as consequentes divisões que sofre o ego, podendo causar mesmo verdadeira fragmentação. No inverso, a integração inesperada dos aspectos invejosos desconexos pode ter como consequência a manifestação de crises psicóticas, que são respeitáveis no discurso do tratamento psicanalítico.
De fato, dentro da perspectiva psicanalítica, é difícil vencer certos pontos cruciais dos laços vivenciados, representado pelo aproveitamento e melhoras reais obtidas pelo sujeito dentro do vínculo, pois este, devido à excessiva inveja que sente do par amoroso, se desfaz logo do alívio e das melhoras alcançadas. 
Em Melanie Klein (1957), com a regressão e a piora que a seguir se instala, não só diminui sua inveja como também expia a culpa correspondente. Na dupla amorosa, o sujeito ciumento-invejoso sentirá extrema dificuldade em sentir satisfeito com sua posição positiva dentro da relação. De sorte, para evitar a inveja do par amoroso, os progressos realizados, para serem bem aceitos, devem ser lentos e graduais. É aqui que a análise entra, na tentativa de levar o sujeito ciumento-invejoso a busca de reconhecer a sua condição de invejoso, para futuramente, de forma gradual, reconhecer a gratidão que venha a se instalar. Levando em conta, ser uma tarefa muito difícil aceitar o alívio, felicidade e bem-estar porque está implícita a necessidade de poder expressar gratidão.
A gratidão, inveja e ciúme são sentimentos difíceis de elaboração e, ainda mais, de serem identificados e compreendidos em nós mesmos, de maneira especial quando considerados em sua grandeza, significação e profundez exatas.
Para Melanie Klein (1957), mesmo a gratidão – que é baseada em sentimentos amorosos – é com facilidade confundida com o que se nomeia de “falsa gratidão”. Esta, ao invés de estar ligada à confiança e aceitação do bom objeto, bem como do reconhecimento do que dele se recebeu e à necessidade de retribuir a gratificação obtida, é primariamente um procedimento que tenta manter controlado o objeto, considerado perseguidor, através do seu aplacamento por meio de conduta aparentemente adequada e oferendas.
De tal modo, talvez o fato que acabara de ser mencionado pode se fundar em um exemplo das robustas resistências em focalizar este tema emocionalmente tão envolvente para todos, tanto para o sujeito ciumento como para o par amoroso.
Podemos utiliza de uma fábula para elucidar o funcionamento da psique daquele que vivencia veementemente o sentimento de inveja, aqui no caso o ciumento patológico.  A fábula narra a história de certa ocasião, em que um homem extremamente invejoso de seu vizinho, recebe a visita de uma fada, que lhe dá a possibilidade de realizar um único desejo, então disse a fada ao homem: peça o que desejar, desde que seu vizinho receba em dobro. O invejoso em seguida respondeu, quero que lhe arranque um olho.
A moral da fábula é nítida, o prazer do ser humano em ver o seu próximo se prejudicar prevalece sobre qualquer desejo de benefício pessoal, embora seja uma satisfação pessoal de ver o outro sofrer. Não é preciso ir muito longe, na perspectiva do pensar, para chegar à conclusão da psicanalista Klein (1974) de que a inveja é uma característica poderosíssima na erosão das raízes do sentimento de amor e gratidão, de modo a afetar a relação mais ancestral de todas, a relação com a figura materna. A veridicidade radical da manifestação da inveja é o seu impulso destrutivo, por levar o sujeito a incidir e destruir o objeto bom, cujo a introjeção é o alicerce do funcionamento psíquico. Esse afeto, por nem sempre ser consciente, inibe a assimilação de experiências boas e, deste modo, a possibilidade de integração com a psique.
De acordo com a autora, a inveja não é produto da decepção ou frustração, ela é parte da vida psíquica do sujeito desde a tenra infância independente das atitudes da figura materna e do seu ambiente oferecido. Pelo adverso, a inveja emana do próprio sujeito, sendo sentimento endógeno. Em contrapartida, para Winnicott (1971), a inveja é fator secundário, proveniente de uma falha na elaboração do ambiente, sendo a relação mãe-bebê fator primordial para acolher o sentimento de inveja da criança, contribuindo para uma boa resiliência do sentimento de inveja.
 Para Martino (2015), o medo de perder é filho do desejo de posse. O que nos revela que o sujeito enciumado somente aprenderá a reconhecer a realidade depois de experimentar a sensação de que essa realidade é uma extensão de seu desejo. Freud (1821) traz uma realidade interessante: “se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos ninguém mais o será”, “só ama o outro quem ama a si mesmo; só ama a si mesmo quem foi amado pelo outro” (Martino, 2015). Em outras palavras, o sujeito enciumado inseguro de si mesmo troca aquela coisa que mais tem habilidade por aquilo de que não é capaz.
Tal reflexão faz alusão ao pensamento de Bion (1967) em que traz a proposta de realidade última, que depende funcionalmente da capacidade de tolerar frustrações. Para o intolerante (o ciumento), é melhor não ver, não saber. Essa tolerância só é obtida em dois momentos, no primário, com a figura materna e no secundário, com a figura analista. A primeira tende a ser menos árdua que a segunda, por tratar-se de uma demanda interna maior, para elaboração do sujeito.

Maicon José de Jesus Vijarva
Escritor e Psicoterapeuta
📱17 991329809 
l 📧 acuradefreud@zoho.com 
l 📧 maiconvijarva@yahoo.com.br
💻 www.acuradefreud.blogspot.com

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A Dupla Frustrada: uma resistência à mudança catastrófica.

Quando nos referimos à dupla dentro de uma analise (analisando e analista) nem sempre ela vai elucidar uma mudança catastrófica, em que Wilfred Ruprecht Bion (1897 — 1979)  nos orienta ser o essencial dentro de uma analise.
        
Wilfred Ruprecht Bion
(1897 — 1979)
A mudança catastrófica é uma transição de K (conhecimento) para Ó (realidade ultima), ou seja, é uma abertura ao um novo universo que por outrora gera medo e desconforto, onde a resistência aparece como meio de evitar a frustração que é gerada nessa transição de expansão do pensamento.
“Diz Bion que a resistência a esse tipo de mudança é um sinal não só da existência da mente, da existência da realidade ultima, mas do medo que as pessoas têm de crescer e de passar de K para Ó.” (REZENDE, 1994, pg. 190)
         
Galileu Galilei
(1564 — 1642)
Podemos assim exemplificar a história de Galileu Galilei (1564 — 1642), físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano, com os cientistas, onde quando pede a eles que observem que os astros se movem os mesmos recusam-se a olhar, pois querem se manter na teoria de Aristóteles que afirma que os astros não se movem. Se os cientistas aceitassem olhar, o universo mental deles viria a baixo e eles seriam obrigados a crescer.
 
“A interpretação que faz crescer é um ato de conhecimento, e a resistência ao crescimento pode muito bem começar como um ataque a K. Atacando K, ataca também os efeitos emocionais, por exemplo, a capacidade criativa desse mesmo par.” (REZENDE, 1994, pg.192)

        
A teoria bioniana sobre a interpretação que gera o crescimento nos refere que a resistência como forma de ataque ao vinculo K, acontece com a dupla frustrada em relação com os quatros critérios para uma boa interpretação, aquela que faz crescer, ou seja, critérios da verdade, da vida, da expansão e da negatividade. Quando o vinculo é atacado podemos dizer que o ataque é a um desses critérios.
        
Bion discorre que a catástrofe pode atingir a curiosidade como desejo de aprender e se expandir quando a mesma não é estática, mas ativa. Tendo relação com K mais principalmente com a evolução de K para Ó, ou seja, a catástrofe compromete a evolução do aprendizado ao crescimento psíquico, quando isso ocorre não há possibilidade de passar de K para Ó.

         
Para restabelecer o vinculo o analista precisa saber reconhecer e lidar com o seu lado psicótico da mente para assim saber lidar com o ataque psicótico do paciente ao vinculo tornando se capaz de ser continente para o excesso de identificação projetiva, pois este paciente esta usando mecanismos psicóticos para se comunicar com o analista e se o mesmo não souber decifrar esse mecanismo é como se o próprio analista estivesse atacando o vinculo. 
REZENDE,Antonio Muniz, A metapsicanálise de Bion, além dos modelos. Ed.Papirus, 1994




Jessica Kemelly Marques
Ψ Psicoterapeuta/Psicanálise
Contato: (17) 3249-4781/ 99154-5310